No Brasil, não é proibido anunciar produtos e serviços de consumo infantil e adolescente, e é importante que continue assim
Os defensores da proibição de “dirigir mensagens comerciais a um público menor de 12 anos de idade” comungam, em certo grau, dos mesmos interesses da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), que teve a boa iniciativa de publicar uma cartilha (“O caminho da publicidade responsável de produtos destinados a crianças”) para orientar seus associados do que é ético e antiético na comunicação de itens como brinquedos, cadernos, alimentos, cursos de inglês, enfim, bens consumidos naturalmente por crianças (destaco o termo naturalmente e questiono, como é elementar, se produto que pode ser vendido não pode ser anunciado: no Estado Democrático de liberdades, não há o menor sentido em proibir a publicidade de algo que pode ser vendido, por exemplo, em supermercados).
Enfim, ninguém em sã consciência – muito menos a Abral – defende a publicidade abusiva, – coisa que, de resto, o Código de Defesa do Consumidor, desde setembro de 1990, considera ilegal. No contexto infantil, diz a lei ser abusiva, a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e da inexperiência da criança. O problema de fundo é que o articulista defende a ideia de que toda a publicidade de produtos e serviços consumidos por crianças é abusiva, porquanto utilizam elementos do universo infantil e, assim, dirigem-se para a criança. Em seu sentir, portanto, se uma caneta do Mickey – produto para crianças – for anunciada na internet, haverá abuso, porque o camundongo mais famoso do mundo é um personagem infantil (o que é questionável, aliás, porque eu mesmo adoro o Mickey).
Trata-se de um equívoco. O abuso tem de ser visto caso a caso. Generalizar como abusivos, em abstrato, os anúncios de toda uma categoria de produtos e serviços é algo extremamente perigoso, de caráter censório. Os feitores do Código de Defesa do Consumidor sabiam disso, e foram ponderados ao escrever aquilo que é inquestionável: somente o abuso da inexperiência e deficiência de julgamento da criança torna a publicidade ilegal. Não há, no Brasil, proibição da publicidade de produtos e serviços para crianças. Há restrições e salvaguardas, como a lei do consumidor, a autorregulamentação do Conar e aquela voluntariamente estabelecida por anunciantes. Nesse sentido, até mesmo o Superior Tribunal de Justiça decidiu dois casos concretos, coisa muito longe de alegar que aquela Corte “proibiu a publicidade infantil” genericamente, como alegado no artigo aqui respondido.
Em termos práticos, queda uma dúvida: se a publicidade de gêneros infantis é proibida, por que ela é realizada nas mídias tradicionais e digitais? Será que tantas empresas sérias, com reputação inabalável, controles internos e complianceafiadíssimos, será mesmo que elas concordariam em agir de maneira ilegal? Ou então – o que é fato – não há ilegalidade nenhuma, mas apenas uma narrativa que, em maior ou menor grau, cooptou certos agentes sociais pelo trabalho dedicado de entidades da sociedade civil? Atenção empresa que anuncia itens infantis: o artigo aqui respondido acusou você de descumprir a lei. Isso é bem sério. Honestamente, duvido que empresas do porte da maioria dos anunciantes desse gênero assumiriam o risco de fazer algo ilegal. A narrativa da proibição não se sustenta pelos fatos sociais.
É bom que se esclareça que proibir publicidade de categorias inteiras é violar a liberdade de iniciativa, fundamental para uma economia de mercado. Ademais, trata-se de censura: o banimento da publicidade de itens consumidos por crianças aos argumentos lançados pelo articulista é nada menos do que censura, sim. O caminho para a sociedade mais ética e livre não é proibir, mas, ao invés, é exercer da liberdade de maneira responsável. Temos de lutar contra os salvadores da pátria, aqueles que se altivam ao ponto de pretender dizer aquilo que A ou B podem ler, escutar ou comer, sobretudo os filhos alheios.
O argumento da proibição – e quem se alia a ele – equivale à assunção da incompetência de pais e responsáveis da tutela de seus filhos, poder que é, de resto, garantido pela Constituição, pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve ser, de fato, terrível ter alguém dizendo o que se pode e o que não se pode deixar seu próprio filho assistir. É, rigorosamente, preferível cada qual mesmo decidir, a bem de formar esses filhos para enfrentar um mundo que é bem diferente da bolha que pretendem impor os supostos baluartes da proteção infantil.
Fonte: Meio & Mensagem – 12 de agosto de 2019.