O artigo “Publicidade infantil? Ministro da Justiça desconhece, mas ela já é ilegal”, publicado em 11/02 no UOL, contém algumas distorções, outras imprecisões e
equívocos nas conclusões. Comece-se pela distorção, que neste caso é conceitual: ao
contrário do que diz o texto, não existe “publicidade infantil”. O infeliz termo, afinal, é
atécnico, porque seria “publicidade infantil” a propaganda estrelada por crianças, a
que conta uma historinha, a que é roteirizada, produzida, alocada por crianças?. O
correto a se dizer é “publicidade de produtos e serviços consumidos por crianças”.
Bem a propósito, a comunicação de tais itens, ao contrário do que arrisca o artigo,
está sustentada por pelo menos 22 normas, mais do que o Reino Unido, com 16
normas, e que os Estados Unidos, com 15. Além disso, a regulamentação existente
hoje e presente tanto na Constituição Federal como no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no Código
Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que cumpre com grande
competência seu papel há 40 anos, com regras aplicáveis a todos os anunciantes
justamente para assegurar a ética na publicidade. O artigo 37 do Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária é o texto mais detalhado e profundo a respeito de
como o anunciante deve se comunicar quando anuncia itens consumidos por
crianças.
O artigo é infeliz. Trata do assunto da publicidade de itens infantis como se já fosse
“pacificado em nossa sociedade”. Não há qualquer pacificação, ao revés, há um
cenário de insegurança e instabilidade que paulatinamente demoveu anunciantes de
bens para crianças, licitamente ofertados em mercado, a persistirem em campanhas
que eram vergastadas em ações orquestradas para dissuadi-los – notificações
ameaçadoras, “denúncias” a órgãos e instituições, notas em grandes veículos – o que
causava indefectível chilling effect, o efeito resfriador do discurso, uma das principais
vertentes da censura nos dias de hoje.
Houve um venerável trabalho de construção de uma proibição que não existe. Para
isso, valeram-se de estudos de instituições de renome sem qualquer base empírica e
repletos de ilações; mudanças ocasionais no discurso (ora “queremos a proibição”, ora
“não queremos a proibição, mas a regulação”, ora “a publicidade é ilegal pela
resolução do CONANDA”, e, mais recentemente, “o Código de Defesa do Consumidor
já proíbe a ‘publicidade infantil’”; alianças com órgãos e outras entidades, tudo a
formar um caldo com base em repetições que, nada obstante não se sustentarem,
solidificaram-se no inconsciente coletivo e não enfrentaram resistência hábil para
debelá-las.
Não, “publicidade infantil” não é prática abusiva. Não há nada na legislação que a
defina assim, mas apenas uma construção um pouco obtusa, fragmentada e parcial –
para não dizer forçada – nesse sentido. O que é abusivo, no regular do CDC, é a
publicidade “que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”.
Quando o legislador usou o verbo “aproveitar”, remeteu ao intérprete a tarefa de
analisar caso a caso se houve aproveitamento. Nada mais correto: a figura do abuso
deve ser aferida em casos concretos. Se o legislador pretendesse diria: “toda a
publicidade de itens para crianças é abusiva”. Não o fez, acertadamente. Por vias
tortas, interessados pretendem atribuir essa visão forçada ao dispositivo. Mas isso não
se mantém em pé. Os próprios julgamentos do STJ a que alude o artigo trataram de
casos concretos e suas decisões não têm efeitos gerais e abstratos, portanto é
mentira que o STJ proibiu a “publicidade infantil”.
No decorrer do respondido artigo, o autor revela sua pretensão: partindo do
pressuposto que pais e responsáveis são inaptos a refrear os desejos de seus filhos,
arvora-se na altivez de proclamar o que é adequado para todo o mundo, brandindo
uma proibição. O trecho “culpam justamente as famílias, já tão sobrecarregadas, pelo
fato de não dizerem ‘não’ aos desejos infantis implantados pela sedução da
publicidade”. Com todo o respeito, isso não pode ser levado a sério: então: a) as
famílias são incapazes de educar seus filhos; por isso b) a sociedade civil e o Estado
tem de fazê-los, impondo c) a proibição do direito de anunciar produtos legais, já que;
d) a publicidade seduz as crianças, transformando-os em autômatos, robôs. Ora, esse
discurso, no fim, casa com uma atitude extremamente autoritária, que desconsidera a
autonomia das famílias, o poder de crítica dos pais, a direção da educação de seu
filhos (o que está na Constituição e no ECA), arvorando-se no pálio da bem
aventurança e do todo-poder de dizer aos outros o que eles podem e o que eles não
podem assistir.
O artigo perde qualquer réstia de credibilidade que ainda possuiria quando trata de
“sobrepeso e erotização”. Para o autor, a publicidade erotiza meninas e causa
obesidade. A pergunta é: tem provas disso? Se não tem, esses pensamentos não
passam de ilações.
Do mesmo jeito que o autor fala no “estudo da The Economist” – o mesmo em que
seus autores deixam claro, ao final do documento, que não podem assegurar que os
resultados estão efetivamente corretos – e omite o estudo da Consultoria GO, que
aponta que a proibição da publicidade de itens infantis causaria impacto econômico de
mais de R$ 35 bilhões, o autor fala em ECA, CDC e Constituição, mas omite os
próprios ECA, CDC e Constituição, além da Lei de Liberdade Econômica, todos a
garantir ao anunciante a possibilidade de comunicar seus produtos e serviços, ainda
que consumidos por crianças, sempre de maneira lícita e ética, seguindo as boas
práticas na publicidade.
As entidades defendidas no artigo estão com temor da regulação da Senacon porque
ela representa uma perda no terreno por elas ganhado ao longo de mais de dez anos:
relativiza a malfadada e inconstitucional e ilegal Resolução 163 do CONANDA, o
equivocado discurso da proibição pelo STJ, a errônea interpretação que ECA, CDC e Constituição proíbem a “publicidade infantil”. E, para isso, o articulista abre um arsenal
de impropriedades e equívocos.
É óbvio que a ausência de programação infantil na TV aberta, que é financiada por
publicidade, caiu deveras em função da crença dissuadida pelos setores da sociedade
civil que pregam que a “publicidade infantil” é proibida – nesse sentido, hoje, esse
pessoal prova do mesmo veneno que aplicou. Anunciantes não queriam mais receber
cartas ameaçadoras e pararam se anunciar; sem verba, a produção parou de ser
financiada. É tão difícil compreender esse raciocínio? O Ministro Sérgio Moro está
certo, a programação infantil sumiu da TV aberta porque não há publicidade, isso em
função da ação dos mesmos que hoje bradam por uma ilegalidade que não existe.
Por fim, é interessante saber de que época exatamente o articulista falava quando
havia desenhos sem publicidade sábado de manhã. Não consta que não havia
publicidade de brinquedos, roupas infantis, papelaria, acessórios para crianças e toda
uma gama de licenciamento dos apresentadores nos intervalos de programas como o
Xou da Xuxa, Mara Maravilha, Balão Mágico, TV Colosso, entre outros. Seria
interessante se o articulista provasse o que alegou.
De sua parte, a ABRAL continua com sua missão de disseminar as melhores práticas
nesse campo, por intermédio da educação no setor onde atua. Faz isso pela crença
de que a comunicação responsável colabora com o desenvolvimento da sociedade,
em um ambiente saudável e dinâmico. Na defesa da liberdade e da norma.
Por MARCO SABINO, conselheiro da Associação Brasileira de
Licenciamento de Marcas e Personagens (ABRAL), professor e autor do livro “Liberdade de Expressão e Publicidade: a Defesa do Direito de Anunciar”