No Brasil, a atividade de licenciamento está sujeita ao PIS/Cofins. Não permitir o uso desses créditos viola o princípio da não cumulatividade
O pagamento de royalties por uso de marca e imagem pelas empresas no Brasil, para a fabricação, distribuição e comercialização de produtos licenciados, não gera créditos de PIS ou Cofins. O entendimento está na Solução de Consulta nº 117, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal.
Publicada recentemente, a solução de consulta distingue royalties da prestação de serviços. Na prática, afasta a possibilidade de empresas que pagam pela licença de uso de marca ou imagem – como fabricantes de cadernos escolares com ilustração na capa de algum personagem infantil – considerarem essas despesas como insumos, que geram créditos para reduzir o valor dos tributos federais.
Independentemente de ser serviço ou não, a questão que deveria ser analisada é a essencialidade e relevância dos royalties para a atividade da empresa, segundo o advogado tributarista Caio Malpighi, do escritório Ayres Ribeiro Advogados. Para ele, a solução de consulta é um contrassenso.
“No Brasil, a atividade de licenciamento está sujeita ao PIS/Cofins. Não permitir o uso desses créditos viola o princípio da não cumulatividade”, diz o advogado. Ele lembra que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a atividade de franquia é serviço e, portanto, incide ISS sobre os royalties pagos ao franqueador.
A consulta à Receita Federal foi feita por uma indústria e comércio atacadista de brinquedos, pantufas, bichos de pelúcia, brindes promocionais, artefatos de plástico e embalagens plásticas. Ela pretendia esclarecer se o pagamento por royalties seria despesa com insumo, em razão de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2018.
Naquele ano, ao julgar um recurso repetitivo (REsp 1221170), o STJ definiu que são considerados insumos os bens e serviços “essenciais” e “relevantes” para a atividade econômica. A indústria argumenta que, para a fabricação e comercialização de produtos licenciados, é imprescindível a aquisição de direitos autorais e pagamento de royalties.
De acordo com Eduardo Salusse, sócio do escritório Salusse e Marangoni Advogados, a solução de consulta faz uma interpretação restritiva, ao entender que royalties não geram créditos por não decorrerem de uma prestação de serviço. Para ele, o objetivo da Receita seria afastar a posição do STJ, que estabeleceu a essencialidade e a relevância como critérios para a definição de quais despesas geram créditos de PIS e Cofins.
“O julgamento do STJ trouxe à tona o chamado teste de subtração: se tirar o insumo da atividade da empresa há perda de eficiência? Se a resposta for sim, existe direito a crédito”, diz Salusse.
Mas o que chama mais a atenção de Salusse é a adoção de posturas contraditórias pela Receita. “Várias receitas auferidas pelas seguradoras, por exemplo, não dizem respeito à prestação de serviço, como o prêmio, e o Fisco cobra PIS/Cofins sobre ele. Ou seja, quando interessa a interpretação é ampliativa”, afirma.
Na solução de consulta, a Receita Federal alega que o artigo 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003, que regulam o PIS e a Cofins, determinam que a empresa poderá descontar créditos calculados em relação a “bens e serviços, utilizados como insumo”. Contudo, para o órgão, royalties não equivalem nem a bens nem a serviços.
O órgão defende que royalties se assemelham ao aluguel de bens móveis. Isso porque, segundo o artigo 23 da Lei nº 4.506, de 1964, “serão classificados como aluguéis ou royalties os rendimentos da ocupação, uso, fruição ou exploração dos bens e direitos”.
A Receita baseia-se ainda em um julgamento do STF do ano 2000 (recurso extraordinário nº 116.1212). Nele, os ministros declararam que a locação de bens móveis é “obrigação de dar”, diferentemente dos serviços, que são “obrigação de fazer”.
Para o advogado Hugo Reis Dias, do HRD Advogados, a interpretação da Receita é parca, equivocada e desatualizada. Segundo ele, a Cosit despreza a necessidade de análise da essencialidade e relevância dos dispêndios para a atividade empresarial específica, a fim de enquadrá-los, ou não, como insumos, conforme determinado pelo STJ.
“Além disso, conforme o novo Regulamento do Imposto de Renda [Decreto nº 9.580, de 2018] e a Portaria do Ministério da Fazenda nº 436, de 1958, royalties remuneram também a assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, claramente vinculadas a obrigações de fazer, ou seja, serviços”, afirma Dias.
Reprodução da matéria publicada no Jornal Valor Econômico https://valor.globo.com/