O TikTok Shop, antes associado majoritariamente ao fast-commerce e às dinâmicas do viral, passa por uma inflexão estratégica. A plataforma emerge agora como um espaço onde peças de alto valor simbólico, bolsas Hermès e Chanel, edições raras de tênis fruto de colaborações entre Louis Vuitton e Nike, relógios Rolex e Cartier, coexistem com ofertas de consumo massificado. Esse movimento coincide com o crescimento global do resale de luxo, que deve alcançar US$ 53 bilhões até 2028 segundo o BoF Insights & Vestiaire Collective, e que cresce três vezes mais rápido do que o mercado de luxo primário de acordo com a Bain & Company (2024). Essa transformação só se tornou possível graças ao alcance global da plataforma e ao uso crescente de IA aplicada à autenticação, categoria que recebe investimentos substanciais em marketplaces: de acordo com a Deloitte, 67% dos players de segunda mão de alto padrão pretendem intensificar tecnologias de autenticação até 2026.

Para Tamara Lorenzoni, estrategista de marcas com atuação internacional no mercado de luxo, o movimento revela mais do que ampliação de sortimento: representa uma mudança estrutural na forma como o luxo circula no ambiente digital. “Essa convivência só irá se sustentar se vier acompanhada de rigor: curadoria, autenticidade verificável e uma narrativa que respeite o valor simbólico do produto. Quando um marketplace de massa passa a hospedar objetos que carregam escassez, memória e desejo, observamos a diluição de fronteiras históricas entre o popular e o exclusivo”, analisa. A leitura acompanha uma tendência maior: cerca de 35% dos consumidores de luxo da Geração Z já compram peças de segunda mão regularmente, segundo BCG x Vestiaire Collective, atraídos por raridade, acesso e sustentabilidade.
Tamara considera o avanço positivo, desde que marcas e revendedores preservem os códigos que sustentam o ethos do luxo. “O luxo contemporâneo não se ancora em volume nem em exposição indiscriminada. Ele se sustenta em consistência estética, procedência clara e comunicação sensível. O TikTok Shop tem potencial para reposicionar o resale de alto padrão, mas isso exige responsabilidade cultural e um olhar curatorial que filtre, contextualize e eleve. Quando bem executado, o second-hand torna-se ponte legítima entre legado e novas gerações”. O próprio mercado confirma essa direção: o Resale Report 2024 (ThredUp) indica que a revenda de artigos de alta categoria cresce 17% ao ano, impulsionada pelo consumidor que busca autenticidade e peças com significado histórico.
Esse reposicionamento abre espaço para um consumidor que busca exclusividade com consciência, e que entende o luxo como experiência, história e refinamento, não apenas como preço. “Ao oferecer peças previamente usadas com autenticação rigorosa e visibilidade global, a plataforma amplia a pluralidade do acesso sem comprometer os códigos do luxo. O desejo deixa de ser vertical e passa a ser interpretado em camadas: raridade, narrativa, origem e sustentabilidade.” Relatórios da McKinsey mostram que mais de 60% dos consumidores de luxo jovens associam luxo desejável à sustentabilidade e circularidade, o que reforça o momento ideal para movimentos como este.
Segundo Tamara, o movimento exige que casas de luxo e revendedores repensem sua presença digital e seus processos de curadoria. Plataformas como o TikTok Shop podem desempenhar papel significativo no futuro do luxo , desde que traduzam, com ética e precisão estética, o espírito que sustenta esse mercado. “O desafio não está em vender luxo no digital, e sim em fazer com que o digital seja capaz de transmitir profundidade, contexto e alma. Quem dominar essa equação se tornará referência em um mercado em transformação.” Esse desafio é especialmente relevante considerando que o digital já representa aproximadamente 33% de todas as compras de luxo globalmente, segundo Bain (2024), e deve se tornar o principal canal de descoberta entre consumidores de alto poder aquisitivo até 2030.
Com o TikTok Shop consolidando-se como vitrine global de high-end resale, o mercado de luxo reafirma sua capacidade de adaptação, desta vez, diante de novas dinâmicas culturais, comportamentais e tecnológicas que redefinem where desire lives.





